sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Olhares


«E quando achamos que finalmente encontramos o silêncio e a tranquilidade suficiente para podermos pensar na vida? Porquê que essa altura não existe mesmo? E em vez disso, nos põe à prova com novos sentimentos? Quando tudo parecia acalmar, e a vida começava a ganhar espaço para ser pensada e repensada acontece o que mais temos certeza que não queremos, nessa altura. A vida é para ser vivida, aproveitada, e algo que consigamos fazê-la passar de dois dias. Mas, por vezes, precisamos dum silêncio que só nós sintamos, um silêncio que nos desenha novamente objectivos de vida, um silêncio que fala connosco sobre o passado e nos ajuda a decidir o futuro. Quando esse silênco vem, não pode ser interrompido, não pode ser ignorado e agir sem o consultar. Porque este é aquele que nos faz recordar quem somos, o que somos e o que seremos daqui em diante, é ele que nos mostra o passar do tempo e o que nós chegamos a ser com esse mesmo tempo. Tu, chegaste com esse silêncio, e em vez de o conseguir escutar, apenas ouço as tuas palavras na minha cabeça, apenas vejo o teu sorriso nos meus sonhos, e só consigo sentir o teu carinho nos meus pensamentos. Por mais que discorde deles, não os consigo impedir, por mais que os esconda, não os consigo proibir de os mostrar a toda a gente, por mais que tente nega-lo não consigo acabar tudo com um "não". Não sabia quem eras, o que fazias lá, de onde vinhas, onde ías, e porquê de existires, mas sabia que tinha ordens de te dar indicações sobre um novo local que passarias a usar, e nada mais. Sabia que eras alguém, que lutavas por coisas, que tinhas uma personalidade, que serias mais um "outro" lá, mas eras "o" outro. Foi-se tornando impossível evitar, impossível de parar, foi-se tornando algo que não conseguia controlar, porque agia sem pensar, olhava-te sem perceber ao mesmo tempo porque o fazia, mas fazia-o. E faço-o. Mas tentava não o fazer, e tento. Coisas que pensamos que só aconteciam dum lado, mas que pelos vistos tu correspondias, e correspondes, mas não admites. E se admites, é em modo de negação. Olhares que nem sempre existem porque queremos, mas dizem aquilo que mais queremos guardar para nós. Não há destinos, mas se houvesse eu acreditaria neles.» Anca Lipciuc

domingo, 18 de setembro de 2011

Apreciar


«Dou por mim a ter que lidar com novos sentimentos, novos não, novos novamente. Sentimentos que em mim tinham morrido, sentimentos perfeitos foram substituídos na altura por dor, medos e receios. Sentimentos que julgava ter enterrado dentro de mim e que só saíam quando se mexesse na ferida, para me fazerem voltar à dor de antigamente. Re-descobri em mim, uma força que tinha deixado de ser forte, uma ansiedade que deixara de mexer comigo, um nervosismo que já não fazia sentido para mim. um amor, que não conseguia sentir em mim, um amor que antes era tudo que queria na vida, agora me prendia a ele sem direitos para isso, sem a minha autorização, sem algo a que se pudesse ou tivesse autorização de prender, algo que parecia um sonho antigamente, e se tornou um pesadelo nos últimos tempos. Acordei agora, mas para sonhar de verdade, acordei para sentir os sonhos tornarem-se realidade, acordei para a realidade por sonhar com ela. Acordei pela primeira vez, novamente. Acordei porque tinha adormecido, mas acordei com sentimentos que já tinha experimentado uma vez. Aqueles sentimentos que não se conhecem ao início, que não se compreendem durante e que não se faz a mínima ideia do que foram para nós no fim, aqueles sentimentos que não faziam parte do vocabulário dos sentimentos do nosso ser e que agora são constantes e apenas podemos criar um próprio dicionário para eles, aqueles sentimentos que não sabemos de onde vieram, por quanto tempo ficam e que desconhecemos o seu porquê. Aquilo que um dia possuíamos, e tivemos que deixar de ter, aquilo que um dia era a nossa vida, e de nossa vida passou a um mero episódio que faz parte dela, aquilo que nos ensinava a ser alguém e que passou apenas a uma lição num livro esquecido no fundo da nossa gaveta da vida. Enquanto pensváva que o que foi não voltava mais, experimentei novas sensações novamente, e enquanto imaginava ter de apagar tudo, precisei de voltar a escrever a história toda de novo. Voltei a abrir o meu livro, à espera de o desenvolver, e se puder, não ter de o acabar nunca mais, pelo menos nesta vida.
A sensação de ter alguém a cuidar de nós, ou a sensação que podemos contar com alguém todos os dias, a sensação de sermos amados.. quem não a conhece, não a compreende. Essa sensação, dava origem ao meu livro, ao lado de quem me faz experimentar essas sensações, dava-lhe um nome, e fazia dele a personagem principal do meu livro, do meu livro com um início perfeito, uma história desenvolvendo-se perfeitamente e sem fim possível. Agora, mais do que nunca, aprendi que um livro não é um conto com início, meio e fim, um livro é um conjunto de bons e maus capítulos, que só tem fim se nós o permitirmos. Pretendo amar-te, como já amei, pretendo guardar-te como um dia não consegui guardar, e cuidar de ti, como não cuidaram de mim, porque apesar de toda a dor, eu voltei a sentir que era feliz, o que sinceramente, foi a melhor coisa que me podias ter dado e que ninguém até agora tinha conseguido,(..). Muitos podem ter feito com que os amasse, mas nunca ninguém me conseguiu fazer esquecer a dor que um dia tive que receber.
(E enquanto escrevia isto, me apercebia que a inspiração só volta quando mais necessitamos de exprimir os nossos sentimentos.)» Anca Lipciuc

sábado, 3 de setembro de 2011

In(desejadas) recordações


Há momentos na nossa vida, que o que mais nos motiva a viver, é pensarmos que uma coisa é certa: não voltaremos a sofrer o que já sofremos. Mas é nesses momentos que, instintivamente acontece algo que por mais que nós tentámos fazê-lo desaparecer, permanece. Às vezes, olhamos o céu com a preocupação única de encontrar uma estrela cadente que de facto nos torne imune às recordações, que por mais que tenhamos enterrado bem no fundo do nosso ser, por mais que tenhamos cavado anos e anos para encontrar um sítio de onde não possam sair, depois de eliminar-mos por todos os lados vestígios ou pequenos detalhes que possam permitir relembrar algo doloroso, estas conseguem encontrar nem que seja a mais fina abertura no nosso coração, a menos visível vontade de pensar no passado, o mais insignificante desejo de experimentar mais uma vez algo que por mais que nos magoe, é bom.
Quando mais penso que finalmente atingi a maturidade ideal para afastar as memórias, mais coisas acontecem que me fazem ver, que não é uma questão de maturidade. Ou quantas mais vezes defino auto-regras a mim mesma, de forma a evitar recitar sentimentos passados, mais me convenço que o que não quero sentir é de facto o que alimenta a minha existência, e que apenas a minha força prende o passado para deixar viver o presente.
Mas é quando esse passado se solta, raramente, e tende a encher-me de ansiedade e vontade de voltar ao que era, de voltar a sentir o bom disso e quando me faz arrepiar com desejos impossíveis que eu percebo quem sou. Que eu percebo quem era e em quem me tornei com o sofrimento, é daí que tiro todas as lições de vida, e esclareço todas as dúvidas e porquês existentes. É nesses momentos que eu deixo de acreditar nesta dor constante, e passo a viver um dia do que realmente me dá vontade de viver, que sonho com o que realmente quero sonhar e sorrio com o verdadeiro sorriso.
O pior das boas recordações, é que são maus momentos. Depois de nos entregarmos novamente a estes pensamentos, depois de nos deixarmos levar por eles como se fossemos crianças, e por mais que a cabeça proíba, o coração autoriza, depois de deixarmos novamente escapar a saudade de dentro da gaiola, vem a parte mais difícil. A parte em que temos que voltar a empurrar para dentro da enorme ferida aberta no fundo do nosso ser toda a felicidade, que por mais que nos faça sorrir, não nos faz viver. Temos que voltar ao mundo real, ao verdadeiro e ao presente, temos que nos voltar a mentalizar que o que procurávamos, já encontramos e deixamos para trás, e que aquilo que devemos procurar agora é algo mais forte, que nos dê a força de tapar a ferida. Tapa-la, porque cura-la é algo que o próprio sonho não consegue fantasiar a esse ponto. Uma ferida aberta no coração, é uma dor infinita que apenas pode ser diminuída. Quando nos prendemos demasiado a uma coisa, sem conseguir ver o que está por detrás desta, estamos a permitir que deixemos de ser nós, para deixar algo fazer parte de nós, e quando esse algo se vai, não tira tudo o que um dia encheu dentro de nós.
A pior parte, é voltar a fechar a gaiola, para um dia novamente, deixarmos a chave algures à frente de quem a quer abrir, com a desculpa de que a perdemos, para podermos arranjar uma desculpa para a nossa fraqueza.